ABRUPTO

13.10.12

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COISAS DA SÁBADO: A GOVERNAÇÃO DE CABOTAGEM 


De novo, insisto, o espectáculo desta governação é penoso de se ver. Às segundas, terças, quartas, e sextas governa Vítor Gaspar. Deixei em aberto as quintas-feiras onde o tandem Passos-Relvas reúne um Conselho de Ministros sem alma, nem função, com ministros que o Primeiro-Ministro mandou dizer ao Expresso que estão a prazo curto. Na maioria dos casos vai pouco mais do que comentar medidas já anunciadas em conferências de imprensa do Ministro das Finanças. Vá lá, Passos governa às quintas. O fim-de-semana, Portas regressa do seu périplo e partilha os recados do Expresso com Passos e faz alguns estragos à coligação onde não participa nem de corpo inteiro. Deve lá deixar o chapéu da lavoura no lugar. 

O resultado é a mais absurda governação à vista que é possível imaginar. Na segunda-feira (ou terça, tanto faz), Gaspar anuncia um “enorme aumento de impostos” e diz quais são e como são. Na quinta-feira, os ministros protestam e os que têm raízes no aparelho partidário previnem para a revolta de baixo. Entretanto Portas e o CDS passaram a semana a contorcer-se todos. Começa-se logo a pensar mudar as medidas que segunda-feira tinham sido anunciadas, “abrandando-as”, “mitigando-as”, adiando-as, descobrindo que afinal não vai ser preciso tanta “enormidade” porque sempre se pode cortar mais no estado, ou seja disparar de novo sobre os funcionários públicos. A governação, uso a palavra por caridade, torna-se de plasticina, responde a ameaças (de Portas), rumores (dos ministros), ao medo da rua e das greves, ao descontentamento partidário (veja-se os Açores), e aos comentários, aos jornais e aos blogues. Num certo sentido é natural: responde àquilo que a fez no seu topo, àquilo que basta para liderar uma organização partidária em plena partidocracia institucionalizada, mas que não chega, nem de perto nem de longe para governar um país em crise. 

Já ouviram falar do Princípio de Peter?

Nota actual: o que se está a passar com o Orçamento de Estado nunca foi visto em democracia: um Orçamento feito na rua e nos jornais, com fugas, umas deliberadas, outras não, com "balões de ensaio" para ver no que dá, com anúncios absurdos e irresponsáveis  de violentos, seguidos de pequenas moderações para enganar, com alvos genéricos e, quando a coisa corre mal, mais pancada na função pública.  Se é deliberado, tipo pau seguido de cenoura para esconder o pau que fica, coloca o governo ao nível de um mau assessor de comunicação, a fazer truques de marketing. Para isso há melhores profissionais fora de Portugal que podem ser contratados.
Só este triste espectáculo devia levar o Presidente a pôr alguma ordem nesta trapalhada ambulante, ridícula e perigosa ao mesmo tempo.

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EARLY MORNING BLOGS   

2261

Periculum in mora.

 

(Tito Lívio)


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8.10.12


AS ARMAS DE PAPEL. PUBLICAÇÕES PERIÓDICAS CLANDESTINAS E DO EXÍLIO LIGADAS A MOVIMENTOS RADICAIS DE ESQUERDA CULTURAL E POLÍTICA

Foi, finalmente, com um ano de atraso, entregue à editora (Temas e Debates) o original de As Armas de Papel, o meu livro sobre a imprensa clandestina e de exílio ligada a movimentos radicais de esquerda entre 1963 e 1974. Tem um longo ensaio introdutório e depois notas individuais sobre cerca de 158 publicações, nalguns casos só um registo de entrada, noutros monografias mais extensas sobre os títulos mais importantes (por exemplo, Cadernos do Centro de Iniciativa Política, Cadernos de CircunstânciaLuta Popular, Grito do Povo, O Comunista, Unidade Popular, Alarme, O Salto, Jornal do Emigrante, Jornal Português, Revolução Popular, etc.). É feita uma inventariação dos números publicados, e, na maioria dos casos, reproduzem-se as capas do primeiro exemplar.

Dado que se trata de um livro complexo, com mais de 500 páginas,  para preparar graficamente, rever, indexar, e que, certamente, terá correcções até à última hora, a sua edição está prevista pela editora para Março de 2013.

(Imagem publicitária dos anos 70, de um copiógrafo Gestetner 460, muito usado na imprensa clandestina.)

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7.10.12

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O FIM


A situação é parecida com a dos últimos dias do Governo Santana Lopes. Parecida, mas longe, muito longe de ser igual. É muito mais grave, mais profunda, e sem aparente saída política de curto prazo em eleições, como acontecia em 2005. Um tempo político acabou em Setembro de 2012, que durava desde o início da primeira década do século, e que se esgotou neste deserto em que parece não existirem forças anímicas na democracia para resolver a profunda crise de representação.

Em 2005, os últimos dias do Governo PSD-CDS começaram com a fuga de Barroso, um acto de grande irresponsabilidade no contexto nacional, depois de uma derrota eleitoral. Os últimos dias do Governo Barroso já são parecidos com todos os dias do Governo Santana Lopes: Barroso preparava-se para despedir Manuela Ferreira Leite e estava convencido que era a política de restrição orçamental que tinha sido responsável pela derrota eleitoral nas europeias. Não me admirava que fosse, até porque o eleitorado em 2009, prevenido da crise que aí vinha, nem por isso deixou de votar em Sócrates, para um ano e meio depois o correr como um vil político que devia ser preso.

Barroso, que começou bem ao dizer que o "país estava de tanga", identificou o risco que a herança de Guterres lhe tinha deixado. Tenho há muito tempo a convicção que foi o tandem Guterres-Pina Moura o primeiro responsável da crise actual, porque o tempo político que conduziu ao pântano começou aí. As tentativas de puxar para trás a crise para comprometer Cavaco ou "todos os Governos desde o 25 de Abril" tratam tempos políticos, económicos e sociais distintos, metendo-os no mesmo saco. Pode ser útil para a propaganda, ou para uma narrativa ideológica do "Estado despesista", mas é pouco fundado nos factos. Uma coisa que é preciso nunca esquecer é que os tempos em política são diferentes e que isso não se vê apenas nas estatísticas económicas.

Na verdade, o tempo que tem sequência até ao anúncio da TSU em Setembro, começou com o "pântano" guterrista e corresponde à noção de que se estava a abrir um abismo entre a necessidade de controlar a despesa do Estado e os bloqueios vindos da partidocracia, do sistema político-constitucional e das escolhas eleitorais dos portugueses. Guterres percebeu-o tarde e foi-se embora. Barroso ainda deu um tempo a Manuela Ferreira Leite para começar a combater os motivos da "tanga" e depois tirou-lho por razões eleitoralistas e de gestão da sua carreira pessoal. Esta foi a primeira tentativa falhada de inversão. A segunda veio dos primeiros anos de Sócrates, entre 2005 e 2007, teve algum sucesso, e embora a dimensão desse sucesso tenha números exagerados, nem por isso deixou de ser meritória. O mesmo Sócrates, que veio mais tarde a rebentar com as finanças públicas, começou como disciplinador do défice. E por aqui se ficaram as tentativas ocorridas no tempo político que vivemos até 2011, de inverter uma situação de corrida ao desastre.

O espectáculo da governação neste último mês é de facto penoso de se ver. No momento em que escrevo, o primeiro-ministro anda fugido de aparecer em público nas comemorações de 5 de Outubro para evitar ser vaiado, e evitou cuidadosamente "dar a cara", como tinha prometido de peito cheio, para anunciar as "más notícias". Um brutal pacote fiscal, já bem dentro do terreno do puro confisco, foi anunciado por um ministro das Finanças que fez uma declaração de amor aos portugueses que se manifestaram chamando-lhe a ele e aos seus colegas de Governo "gatunos". Sacher-Masoch explica isto muito bem.

No Parlamento, durante a discussão das moções de censura, o ambiente de fim dos tempos era evidente. Quebrando uma regra protocolar substantiva, o primeiro-ministro recusou-se a responder individualmente aos dirigentes dos partidos que apresentaram a censura, Jerónimo de Sousa e Louçã. Não há outra explicação senão aquela que alguns deputados gritaram: "Tem medo!". E é de ter medo, porque o bom senso terra a terra e a genuína indignação de Jerónimo de Sousa, junto com a retórica parlamentar de Louçã, são poderosos face a um político acossado como é hoje Passos Coelho.

Na mesma sessão, Paulo Portas fez questão de deixar bem claro que a coreografia do entendimento ocorrida há dias entre CDS e PSD é pouco mais do que isso e que a coligação se apresenta em público rasgada sem disfarces. Tinha no dia anterior recebido uma bofetada de luva preta quando Gaspar falou do "enorme aumento de impostos", como se atirasse a Portas uma resposta pública à sua carta aos militantes dizendo "ai sim, não querias um aumento de impostos, pois leva lá um enorme aumento de impostos".

Na bancada, Passos e Relvas riam-se quando Honório Novo, do PCP, confrontava Portas com o seu "partido de contribuintes". Ao lado, estava Álvaro Santos Pereira e um Governo que uma "fonte próxima do primeiro-ministro" - o que, em linguagem jornalística, significa ou Passos Coelho ou alguém mandatado por ele - ter dito ao Expresso que era para remodelar o mais depressa possível. E Álvaro Santos Pereira, nomeado individualmente pela mesma "fonte", continua ali, impávido e sereno.

António Borges somou apenas mais algumas palavras furiosas ao tom revanchista que perpassa em todo o discurso governamental, um remake dos empurrões na incubadora de antanho: são os empresários "ignorantes" que não "perceberam" a "inteligência" da TSU; são os juízes do Tribunal Constitucional que chumbaram a meritória retirada de dois meses de salário à função pública, para protegerem os seus proventos pessoais; são os funcionários públicos que "vivem" como "cigarras", alimentando-se do trabalho das "formigas" privadas e que, se pensam que escapam, estão bem enganados. Um gigantesco "é bem feito" é dito todos os dias pelo Governo ao país. O país retribui em espécie. Depois disto tudo, não adianta queixarem-se de que as pessoas se distraem com faits-divers em vez de irem ao fundo da questão, porque cada vez mais os faits-divers são o fundo da questão, porque não há mais nada.

O Presidente está perdido no seu labirinto e tem apenas uma tentativa possível, aquilo que impropriamente se designa por "governo de salvação nacional", que é hoje mais provável do que há um ano e que pode vir a ter um escasso tempo útil no meio do desespero vigente. Teria que ser mesmo feito pelo Presidente, fora da partidocracia actual, com acordo parlamentar escrito e assinado por parte do PS, PSD e CDS que lhe desse legitimidade democrática, com um compromisso mais alargado do que o deste Governo. Esse acordo deveria incluir, preto no branco, todas as medidas julgadas necessárias para cumprir o memorando da troika, algumas que deveriam ser renegociadas sem pôr em causa os compromissos de fundo com os nossos credores.

Esse Governo teria como prazo-limite o fim da intervenção estrangeira, que é o seu principal objectivo, e deveria, a seguir, haver eleições. A austeridade não acabava, podia até estabilizar-se num patamar superior, mas teria que absolutamente ter um prazo, no fim do qual começaria a abrandar. Todas as medidas de emergência deveriam ter um prazo vivido, 2014 por exemplo, porque prazos vagos e indefinidos, ou de dez anos para cima, não são "vividos" e geram uma síndroma de Sísifo: nenhum sacrifício parece ter resultado. As palavras, demasiado repetidas, de que um político "responsável" não fala em prazos, não servem para os dias de hoje e são desresponsabilizantes. Hoje, os portugueses precisam, para retomar alguma confiança, de prazos que responsabilizem os políticos.

Não é uma solução perfeita, longe disso. Não tenho dúvidas de que os partidos farão tudo para a torpedear, mesmo que aceitem em desespero de causa. A mediocridade das carreiras políticas no PSD e no PS seria seriamente posta em causa se um Governo destes se revelar eficaz, a extrema-esquerda combatê-lo-ia sem tréguas, mas não vejo outra possibilidade de dar esperança aos portugueses e restaurar alguma confiança. É verdade que muita coisa de urgente não poderia ser feita por uma solução deste tipo: alterar a Constituição, promover um combate eficaz à corrupção, introduzir legislação que inverta o processo de domínio partidocrata, como seja a possibilidade de grupos de cidadãos concorrerem ao Parlamento, a colocação dos nomes das listas partidárias por ordem, etc. Mas muitas outras medidas podem e devem ser tomadas.

A alternativa a uma solução presidencial deste tipo acabará por ser novas eleições sem garantia de governabilidade nos seus resultados, até porque na actual configuração parlamentar não vejo qualquer possibilidade de haver uma solução que substitua a desagregação acelerada da actual governação. O que não pode continuar é o que está, embora também saiba que o apodrecimento dura demasiado tempo e muitas vezes acontece por apatia e interesse egoísta, e depois parte-se para o que já é inevitável há muito tempo, tarde de mais. Esta responsabilidade, a seu tempo, ou seja, em breve, o Presidente não a pode falhar. É coerente com o mandato que procurou e recebeu e com o seu entendimento do papel presidencial. Se não o fizer, e há-de haver uma altura em que até o PSD e o CDS o pedirão, acabará a presidir ao apodrecimento, com ele como parte do problema, por omissão. Vamos ver.

(Versão do Público de 6 de Outubro de 2012.)

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EARLY MORNING BLOGS   

2260 - Once by the Pacific

The shattered water made a misty din.
Great waves looked over others coming in,
And thought of doing something to the shore
That water never did to land before.
The clouds were low and hairy in the skies,
Like locks blown forward in the gleam of eyes.
You could not tell, and yet it looked as if
The shore was lucky in being backed by cliff,
The cliff in being backed by continent;
It looked as if a night of dark intent
Was coming, and not only a night, an age.
Someone had better be prepared for rage.
There would be more than ocean-water broken
Before God's last Put out the Light was spoken. 


(Robert Frost)

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© José Pacheco Pereira
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