ABRUPTO

9.8.14


CARTAS PORTUGUESAS A LUDWIG PAN, GEÓLOGO E AGRIMENSOR NA AUSTRÁLIA

(As duas primeiras aqui, a terceira aqui, a quarta aqui.)


Meu caro Ludwig Pan, alemão perdido nos antípodas

Ouro tu ainda não descobriste, ouro dos tolos tenho eu por cá muito. Não fazes ideia de como o meu triste país está mergulhado numa nuvem de mentiras tão descaradas e tão evidentes que parece que não sabemos, ou não podemos, respirar outra coisa que não este engano continuado. Tinhas tu melhor informação sobre o que se estava a passar no banco do Ronaldo e da D. Inércia do que milhões de portugueses, consistentemente, deliberadamente, ligeiramente, irresponsavelmente, e tudo o mais que queiras acrescentar, enganados.

Este teu amigo pareceu profeta nos últimos meses dizendo que isto do “bom“ banco e do “mau” grupo era uma patetice perigosa, mas não são dotes de profecia nem argúcia analítica, é puro bom senso e desconfiança natural com os nossos poderosos, tão habituados na arte de mentir e enganar, que temos sempre de estar de pé atrás. Escrevi-te na minha última carta que “O “banco” está bem, embora as “empresas” dos Espírito Santo essas sim é que estão muito mal. Não sei muito bem onde colocam a muralha de aço, mas uma coisa parece “não contaminar” a outra. Eles são os mesmos, e presumo que sim, donos do mesmo, ou parcialmente, numa grande parte, donos do mesmo. Mas o “mesmo” tem uma parte que está má e outra que está boa, mas não comunicam.” Tretas, claro.

Os jornalistas de economia e outros faziam ponto de honra de nos dizer enfaticamente, “olhem que o banco é diferente do grupo”, o banco é “bom” o grupo é “mau”. O Presidente, o Primeiro-Ministro, a Ministra das Finanças, o Governador do Banco de Portugal, não perdiam uma oportunidade para repetir. Mas era falso, o grupo estava mal e o banco estava mal. Alguém assume a responsabilidade? Não, eram apenas os Espírito Santos que eram habilidosos e “fraudulentos” e a parafernália de reguladores, auditores, consultores, inspectores, pagos a preço de ouro, - o tal ouro que tu não encontras,- não viam nada, nem “podiam” ver alguma coisa, o argumento de Constâncio para o BPN. Até ontem. 

Na verdade, o banco faliu e foi nacionalizado, sendo que nenhuma destas palavras pode ser utilizada porque o poder as proíbe. De há muito que só uma tribo de resistentes usa as palavras que verdadeiramente descrevem as coisas e não a linguagem dúplice do poder. O novo mantra, é agora o “não se gasta o dinheiro dos contribuintes”, o “mau banco” foi para um lado, o “bom” e “novo” está aí para continuar…a melhor tradição do outro que foi bom e agora é mau. A máquina de propaganda do meu governo, esqueceu-se do que andou a dizer nas últimas semanas e agora repete mais um conjunto de mentiras “estruturadas”, como aqueles produtos que eram tóxicos. Orwell, que ambos tanto admiramos, teria aqui matéria para um tratado de doubletalk.

Tu e os teus aborígenes podem criar uma história de proveito e exemplo desta praga que caiu sobre o meu país. Contaste-me uma lenda sobre o urso que perdeu a cauda. Se bem me lembro, durante uma seca, um urso e um canguru procuraram água por todo o lado. Não havia. Até que resolveram subir o leito seco de um rio para ver se mais perto da nascente se conseguia água. Chegados lá, o urso resolveu enganar o canguru para ser ele a trabalhar a cavar um buraco, enquanto ele se fazia muito doente. Mal encontrou água, o canguru foi chamar o seu amigo urso, condoído com a sua doença, dizendo-lhe que afinal havia água. O urso perdeu logo a doença e atirou-se para dentro do buraco a beber, com a cauda espetada para fora. Enganado, o canguru pegou num boomerang, - afinal a história é australiana - , e cortou a cauda ao urso. A partir dessa data os ursos nativos ficaram sem cauda. 

Ora o urso enganador, aproveitador do trabalho alheio, dissimulador, muito “doente” da sua “bancarrota” aquosa, gerada pelos deuses alheios e primevos, queria “ajustar” o canguru. O canguru trabalhava a abrir o buraco e a encontrar água e o urso depois ia lá beber descansado. E o boomerang voou para lá vazio e voltou para cá com a cauda “ajustada”. Diz lá aos teus amigos que comem rãs, larvas, insectos, e uns bizarros marsupiais, que cá nós precisamos de uma grande provisão de boomerangs, porque há muitas caudas a sair dos buracos da água. Com a tua alemã capacidade de organização podias fazer aí uma pequena AutoEuropa para produzir boomerangs, chamas-lhes “paus curvos de adorno” e entra pela pauta alfandegária como “artesanato”. 

Como a balança comercial tem que ser equilibrada, o que é que poderei exportar para aí? Sol há aí em quantidade; praias também; vinho do Porto, a Austrália produz; móveis de Paços de Ferreira, talvez; refinados, não precisam… Talvez degredados, uma antiga importação australiana, agora em desuso no Commonwealth. Os Espírito Santos para brincarem aos pobrezinhos em Queensland. O nosso governo mais os seus altifalantes nos media, se encontrares por essa larga Austrália o Oitavo Círculo do Inferno, o mais apropriado e onde têm bons companheiros. 

Desculpa, meu bom Ludwig, que tanto fale das nossas desgraças, mas por cá todo o vento é mau e estamos soterrados em miasmas diversos que dariam um gigantesco catálogo. Ah! como seria boa a aurea mediocritas que talvez gozes aí! 

Um abraço do teu amigo português

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© José Pacheco Pereira
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