ABRUPTO

17.11.13


MACHETE E A MULTIPLICIDADE DAS VOZES 



Rui Machete suscitou mais uma tempestade política com as suas declarações. Na verdade as actuais declarações são bem menos graves do que as anteriores sobre Angola, essas sim de enorme gravidade. O que disse Machete é uma evidência: Portugal não está em condições de regressar aos mercados, como todos sabemos desde o mês de Setembro, data pressuposta desse regresso que não existiu. Apontou um valor para os juros que levariam ao resgate, e sendo assim tornou-se particularmente incómodo para a “narrativa” governamental. A “narrativa”, ou seja a pseudo-interpretação propagandística usada pelo governo, é de que Portugal vai “cumprir” com honras o memorando, “ganhar soberania” e entrar com esse mérito num programa-prémio, o chamado “programa cautelar”. Como acontece com estas pseudo-interpretações, em que muita gente ou incauta ou de má-fé embarca, porque está do lado do governo, e justifica tudo e o seu contrário, a “narrativa” é factualmente falsa em todos os seus considerandos. 

 Nem Portugal “cumpriu” o memorando, falhando todos os números quanto ao défice e à dívida, nem o “plano cautelar” liberta a “soberania” portuguesa. Bem pelo contrário, institucionaliza constrangimentos económicos, sociais, e financeiros como “política única”. Num certo sentido, o “plano cautelar”, que é a colocação do país numa situação assistencial para muitos e bons anos, é pior para a soberania portuguesa do que a excepcionalidade do memorando. Ele representa aquilo a que o Primeiro-ministro chamou de “transferência automática” de poderes das “instituições representativas” portuguesas para Bruxelas. O “automático” significa que os portugueses nunca serão consultados sobre o que de mais importante se decide sobre o seu destino. A pressão sobre o PS para a o “consenso” também significa isso: garantir que só há “uma” política, e que, em tudo o que é decisivo, as eleições não valem nada e que não haverá qualquer outra consulta sobre estas matérias aos portugueses. Por exemplo, não haverá um referendo sobre os termos do “plano cautelar” cujas medidas gravosas estão cuidadosamente a ser escondidas. 

Machete veio dizer que só muito dificilmente Portugal escapará ou a outro resgate, ou a um qualquer plano que nos proteja dos mercados, e que os juros altos, e que subiram ainda mais nos últimos tempos devido às cenas de Portas, contrariam a bondade da política do governo. Ele destapou imprudentemente, para quem é membro do governo, o lixo que estava debaixo do tapete e que todos querem que permaneça bem escondido.

Acresce que Machete foi, nas suas declarações, um lídimo membro de um governo com dois Primeiros-ministros, dois discursos, dois governos “em um” como no champô - amaciador, cujos membros, a começar pelo Primeiro e o seu Vice, desenvolvem uma actividade pública que consiste em digladiarem-se um ao outro, quando não estão a tramar alguém que não tem defesa face ao estado. 

Neste caldo de cultura, como é que esperem que Machete actue? Para além do mais, já se percebeu que a impunidade é total.

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© José Pacheco Pereira
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