ABRUPTO

2.8.13


“COMO OS POBREZINHOS” 


A dama Espírito Santo que disse ao Expresso que os da sua laia, os ricos, iam para a Comporta “brincar aos pobrezinhos”, também vale pelo que vale. Zero. Mas já que a dama gosta de brincar “aos pobrezinhos”, então vamos brincar a sério. Vamos atribuir casa no Barreiro à dama, num dos dormitórios lisboetas que ali se fizeram há vinte anos, dar-lhe, vá lá, mais do que o salário mínimo nacional, 600 euros brutos, por exemplo, dar-lhe um emprego em Lisboa, num lar da Misericórdia, numa cantina, que é o que faz quem ganha esta fortuna, um marido a preceito, talvez funcionário da Câmara, mil euros brutos, dois filhos que está bem para a natalidade da classe dos ricos, agora a brincar aos pobrezinhos. Depois, acordamos todos os dias a dama, às 6 da manhã, merenda para os meninos, barco, autocarro, oito horas de trabalho, mais autocarro e barco e fazer o jantar. Aturar o marido, os filhos, limpar a casa. No dia seguinte, a mesma coisa, no dia seguinte, a mesma coisa. Um ano a “brincar aos pobrezinhos”, e aos “pobrezinhos de cima, porque os pobrezinhos de baixo estão na limpeza e no desemprego. Um ano. Sem Xanax. Ao fim do ano, volta para a Comporta. As mãos não são as mesmas. O cabelo não é o mesmo. A roupa não é a mesma. O marido e os filhos não são os mesmos. A cabeça? Não sei. Mas também não deve estar na mesma. Um ano a 600 euros não ajuda a querer “brincar aos pobrezinhos”. Agora já podem dar-lhe o Xanax, o Valium, o que quiser. Vai precisar.

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Durante algum tempo após o 25 de Abril de 1974, apesar de miúdo, lembro-me bem que nessa época se dizia que, os ricos, á cautela, mantinham então os seus mercedes e jaguares nas respectivas garagens, evitando assim ostentações embaraçosas. Essa prudência de então, contrasta com a situação que hoje vivemos. 
Presentemente, as excitações desbragadas dessa e de outras damas, assim como de alguns valetes, revelam um profundo desrespeito pelos de baixo, e um particular desprezo pelos mais pobres, postura que só acontece por sentirem um ambiente favorável para o fazerem, de outro modo, as suas bocas, assim como outrora as suas garagens, manter-se-iam fechadas. De facto, estamos a viver um período sem precedentes. A forma acintosa como alguns concidadãos são vilipendiados pelo poder instituído – os funcionários, os professores, os reformados, entre outros – cria uma atmosfera propícia para as mais diversas dissertações, acerca de quem nestes últimos anos, dizem, viveu além das suas posses, e  agora tem de ser castigado. A única conveniência que esses discursos revelam é sabermos exactamente, quem pensa o quê. Sem qualquer espécie de dúvida, quem neste momento detém o poder, tem uma missão a cumprir, e se as nossas vidas não estão muito pior, é apenas por incompetência dos protagonistas, e da resistência, por parte de alguns, a quem o poder apelida de malfeitores.
Resumindo, os de cima nunca se sentiram tão por cima, sendo que os debaixo sentem exactamente o inverso
 
(Telmo Martins)
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Acerca de ricos que querem saber, ao vivo, como é a vida de pobre, sugere-se a leitura do "clássico" «A Sopa dos Ricos», de Santos Fernando.
 

(C. Medina Ribeiro)



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