ABRUPTO

4.9.12


ESPÍRITO DO TEMPO:  HOJE





Fogos em Fregim, Amarante, nestes dias… (Helder Barros)

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(NOT SO) EARLY MORNING BLOGS   

2249 - The Layers
I have walked through many lives,
some of them my own,
and I am not who I was,
though some principle of being
abides, from which I struggle
not to stray.
When I look behind,
as I am compelled to look
before I can gather strength
to proceed on my journey,
I see the milestones dwindling
toward the horizon
and the slow fires trailing
from the abandoned camp-sites,
over which scavenger angels
wheel on heavy wings.
Oh, I have made myself a tribe
out of my true affections,
and my tribe is scattered!
How shall the heart be reconciled
to its feast of losses?
In a rising wind
the manic dust of my friends,
those who fell along the way,
bitterly stings my face.
Yet I turn, I turn,
exulting somewhat,
with my will intact to go
wherever I need to go,
and every stone on the road
precious to me.
In my darkest night,
when the moon was covered
and I roamed through wreckage,
a nimbus-clouded voice
directed me:
"Live in the layers,
not on the litter."
Though I lack the art
to decipher it,
no doubt the next chapter
in my book of transformations
is already written.
I am not done with my changes.  
 
 (Stanley Kunitz)

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3.9.12


A ÉPOCA DO CARANGUEJO



O que se está a passar com a história da televisão é apenas um exemplo do modus operandi do Governo e do esgotamento desse modelo de actuação. Marca também a diminuição muito acentuada da margem de manobra governativa e, no seu conjunto, revela mais claramente as debilidades, fragilidades e mediocridades da governação. O problema é que os governantes não estão preparados para os tempos com que têm que lidar. Por muito chocante que isto pareça, o Governo é bastante medíocre. Há excepções, mas são excepções, a governação em geral está longe de responder às dificuldades do momento. A única coisa que unifica a governação são os cortes impostos pelas Finanças. Fora disso não há nada. É pouco.

O fim da impunidade política do Governo, e o esgotamento do período em que tudo lhe era favorável, coloca a qualidade da governação à prova e essa prova está a falhar. Ninguém nega a conjuntura difícil em que o Governo teve que actuar, mas convém também não esquecer, como a alguns convém, as igualmente excepcionais condições para a defrontar: maioria absoluta, e apoio público às medidas de austeridade, como nunca antes se tinha visto.

Não me refiro a qualquer estado de graça, porque isso é em grande parte uma invenção mediática, que por si não serve para nada do ponto de vista analítico. Este Governo beneficiou da circunstância de haver uma repulsa agressiva do Governo anterior, um pouco como Sócrates teve em relação a Santana Lopes. No caso actual da queda de Sócrates, foi um processo rápido e cataclísmico, que bem pode servir de lição para a facilidade com que muda quase tudo. Sócrates tinha ganho as eleições pouco antes, e pouco tempo depois teve uma maciça manifestação nas ruas, de todo o mundo e ninguém, da direita à esquerda, furiosa com ele. Acabou derrubado pelo CDS, pelo PSD, pelo PCP, pelo BE e pelo Presidente da República.

Por outro lado, o actual Governo beneficiou (e beneficia) de um profundo sentimento de inevitabilidade, fatalismo e apatia, gerado pela conjugação da crise europeia, e pela perda visível e ostensiva da soberania nacional. Por isso, mais do que um estado de graça efémero, existia um consenso nacional, tanto quanto esta palavra faz sentido, de que teria que haver um forte aperto no cinto de todos os portugueses. Era à força, e à bruta, mas foi aceite como inevitável. Mais: foi bem aceite.

A política de austeridade, fosse ela qual fosse, surgia como inevitável a uma parte significativa da opinião pública, incluindo à esquerda, que interiorizou que eram necessárias medidas de contenção e sacrifícios. Isso facilitou (e ainda facilita) a vida do actual Governo. Contrariamente ao habitual, era "popular" tomar medidas de austeridade e o populismo fazia-se nessa linha. Não era coisa que durasse, nem que deixasse de ter enormes fragilidades, mas existiu e deu ao Governo uma oportunidade única. O Governo desbaratou-a, desconhecia muito da realidade nacional e guiou-se por ideias superficiais, exagerou onde devia ter sido prudente, revelou uma duplicidade de critérios punitivos entre os "de cima" e os "de baixo", um erro fatal em tempos de austeridade, comportou-se com jactância e arrogância "custe o que custar", caiu na tentação de procurar inimigos e bodes expiatórios e, no fim, falhou mesmo naquilo em que não podia falhar, no controlo do défice. Agora, quando começa a haver um efeito de esgotamento da margem de manobra da governação, agora é preciso qualidade e saber, não chega aproveitar a maré, porque a maré mudou.

De há algum tempo para cá, era visível um padrão de actuação governativa, muito dependente de ideias simples de marketing político, que consistia em proceder em três fases. A primeira era a criação de um inimigo, conforme com o sentimento populista. Esse inimigo, foi o Governo anterior, Sócrates, o despesismo, o clientelismo do PS, o descalabro das contas, a bancarrota, o "regabofe". Havia muita razão para apontar a este inimigo, mas a uma dada altura já não chega. À custa dele passaram as primeiras medidas de austeridade, em violação das promessas eleitorais. Mas o apoio popular à austeridade estava intacto, e a culpa era sempre retrospectiva.

Depois as coisas começaram a complicar-se e apareceram novos inimigos. Sócrates teve a fronda dos professores, Passos Coelho imitou-o, apontando o dedo aos funcionários públicos. O mecanismo de os tornar inimigos era o mesmo de sempre e com sucesso garantido: eram uns privilegiados em relação ao privado, por isso tinham que ser punidos. Começou então uma deriva quanto aos inimigos que iria deixar marcas que, mais cedo ou mais tarde, trariam efeitos perversos. Até porque a passividade gerada pela ideia da inevitabilidade da austeridade, ideia popular nesta altura, foi usada também de forma populista (como Sócrates fez em relação ao défice nos primeiros anos da sua governação), e começava a misturar-se com o medo. O medo pode ser mais eficaz para garantir a passividade do que a interiorização da inevitabilidade. Mas o medo é uma arma de dois gumes, quando acaba ou esmorece, potencia a vingança.

Com a RTP, o Governo pensava que podia actuar como sempre tinha feito, como fizera com os funcionários públicos, com as fundações, com a legislação laboral. Primeiro, colocava notícias negativas sobre o "regabofe" na empresa RTP, esquecendo que o próprio Governo actual injectou mais dinheiro do que nunca na empresa, para a tornar apetecível ao destinatário previsto. Depois, avançava com um balão de ensaio não de uma solução qualquer, mas da solução mais "atraente", e por fim tomava publicamente a decisão que já está tomada há muito tempo. Havia três tempos, mas em todos eles há um núcleo duro: a RTP vai parar a "mãos amigas", seja qual for o modo e o processo. Ponto. Tudo o resto é instrumental.

Esqueceu-se de várias coisas. Primeiro, com Miguel Relvas transformado num fantasma que vagueia por Timor, qualquer solução para a RTP está, à partida, fragilizada. Em segundo lugar, não pode usar António Borges sem que este suscite de imediato reacções negativas mal aparece, inclusive dentro do Governo, desde logo porque ele não deixa nunca dúvidas de que tem mais poder do que muitos ministros. E, por fim, menosprezou as reacções de um dos lóbis mais vocais do país - o dos fornecedores de "serviço público", na cultura, na informação, no jornalismo. Este lóbi estava enfraquecido, mas cheirando a presa ferida na pessoa do ministro e percebendo a asneira que foi colocar Borges a abrir as hostilidades, começou a falar de alto, com a enorme vantagem que sempre teve: o acesso fácil e amplificado à comunicação social. A percepção da fraqueza dá força aos outros.

Depois, esqueceu-se que o PS pode aceitar tudo na televisão, desde que não desapareçam os mecanismos de controlo da comunicação social do Estado. A única privatização que o PS não aceita é a de tornar o "bloco central" na RTP propriedade do PSD, e, quando lá chegar, não haja nada no "pote". A lógica de poder partidário no PS é igual à do PSD. O que reforça um ameaça o outro. O PS está-se nas tintas para os Estaleiros de Viana do Castelo, ou a TAP, ou a ANA, mas não se está nas tintas para o controlo da comunicação social pelo PSD. Admite que o PSD, enquanto governa, manda mais do que o PS na comunicação social do Estado, mas quer, quando lá chegar, ter disponíveis os mesmos meios de controlo, para ser a sua vez. É esta relação que tem sido o seguro de vida da RTP.

O Governo parece de cabeça perdida, porque a coisa não correu bem - as últimas declarações de Passos Coelho de que afinal não havia nenhuma decisão e que tudo estava em aberto e se tratava apenas de "histeria" são completamente implausíveis, num processo que está a meses de ser concluído. Se fossem verdade, então haveria um atraso colossal, mas não são verdade. A verdade é que o Governo tinha uma solução para passar a televisão para "mãos amigas", sem obrigar essas mãos a gastar muito dinheiro. Relvas, Borges e ele próprio, Passos Coelho, fizeram asneira, obrigaram-no a dizer publicamente que tudo estava na estaca zero, quando tudo já estava pronto.

Uma das novidades desta nova fase da governação é que os recuos vão ser muito mais visíveis. Alguns são cosméticos, quando há interesses ocultos mais poderosos do que o tumulto do protesto visível, mas o tempo do recuo e da debandada já começou. Nas autarquias, nas Forças Armadas, nas escolas, nas fundações, nas PPP, nas medidas de "moralização" do Estado, até nas Finanças, nas mil e uma alterações a posteriori de diplomas que o Governo considerava estruturais, e que, ou por terem sido mal feitos, ou porque geraram reacções duras, estão a ser modificados discretamente. Como a RTP revelou, onde ninguém assume responsabilidade de nada, começou a época do caranguejo.

(Versão do Público de 1 de Setembro de 2012.)

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EARLY MORNING BLOGS   
2248

What is called politics is comparatively something so superficial and inhuman, that practically, I have never fairly recognized that it concerns me at all. The newspapers, I perceive, devote some of their columns specially to politics or government without charge; and this, one would say, is all that saves it; but as I love literature and to some extent the truth also, I never read those columns at any rate. I do not wish to blunt my sense of right so much. I have not got to answer for having read a single President's Message. A strange age of the world this, when empires, kingdoms, and republics come a-begging to a private man's door, and utter their complaints at his elbow! I cannot take up a newspaper but I find that some wretched government or other, hard pushed and on its last legs, is interceding with me, the reader, to vote for it, — more importunate than an Italian beggar; and if I have a mind to look at its certificate, made, perchance, by some benevolent merchant's clerk, or the skipper that brought it over, for it cannot speak a word of English itself, I shall probably read of the eruption of some Vesuvius, or the overflowing of some Po, true or forged, which brought it into this condition. I do not hesitate, in such a case, to suggest work, or the almshouse; or why not keep its castle in silence, as I do commonly? The poor President, what with preserving his popularity and doing his duty, is completely bewildered. The newspapers are the ruling power. Any other government is reduced to a few marines at Fort Independence. If a man neglects to read the Daily Times, government will go down on its knees to him, for this is the only treason in these days. 

(Thoreau, Life Without Principle)

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1.9.12


ESPERO… 

... sem muita confiança, mas espero ainda, que o governo português, que, presumo, vê os comunicados da troika antes destes serem divulgados (em inglês, um retrato da nossa falta de soberania), não permita que um grupo de funcionários estrangeiros faça a mais leve crítica pública à decisão do Tribunal Constitucional português. Pense a troika o que pensar, ninguém imagina que pudesse criticar em público, o Tribunal Constitucional alemão, sem levar o governo alemão a correr na União Europeia e no FMI com os funcionários que tivessem cometido esse abuso.

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COISAS DA SÁBADO: O ESTADO, O GOVERNO E A TELEVISÃO


Nem tenho falado das matérias da RTP, porque não vale a pena. A minha opinião é conhecida: o estado não deve ter órgãos de comunicação social. Não tenho uma letra a mudar ao assunto. A questão do “serviço público” é outra, e a mistura das duas serve sempre para legitimar a existência de várias empresas públicas, com controlo governamental. Admitindo que há um “serviço público” mínimo, ele deve ser definido, coisa que os seus defensores nunca querem fazer, e acima de tudo, nada justifica que se estenda a matérias de jornalismo e informação.

Dito isto, também nunca tive a mais pequena dúvida de que, no fim da linha, não haverá qualquer diminuição do efectivo poder governativo, bem pelo contrário, sobre um canal ou um grupo de televisão a que hoje chamamos “comunicação social do estado”. Seja qual for a fórmula escolhida, chame-se-lhe “privatização” ou “concessão”, ou qualquer outra na panóplia de esquemas que os consultores encontrem, o estado vai sair mais forte, ou seja, os governos vão ter mais instrumentos para mandar no “seu” sector de comunicação. A não ser que este governo encontre uma fórmula para não só privatizar ou "concessionar" a RTP, como também privatizar o poder de controlar a RTP a favor de um partido ou de um grupo de interesses "amigo". Daí que o PS se mexa, como nunca se mexeu com nenhuma outra privatização, porque, quando houver rotatividade no governo, não encontra lá nada. está cá fora nas mãos de um certo PSD e da coligação de interesses que o apoia.  O PS encontrará certamente meios de pôr lá as mãos, porque os mecanismos de controlo permanecem na governação, mas será mais difícil

Para além de tudo ser obscuro e já estar decidido ou quase, o pior, em termos de saúde da nossa democracia,  é a entrega da comunicação social do estado a um grupo “amigo”, seja português, angolano, ou luso-angolano. Será é sempre “amigo” e bem “amigo”. Ou alguém imagina que qualquer proposta que apareça, vinda de alguém que o governo possa considerar “hostil” ao actual poder político, possa ter cabimento? Não, meus amigos, está tudo já cozinhado. Pode estar mal cozinhado, e haver sarilhos e indigestão, mas que o prato já está pronto ser servido, já está há muito.

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EARLY MORNING BLOGS   
2247

Solitudinem eius placuisse maxime crediderim, quoniam importuosum circa mare et vix modicis navigiis pauca subsidia; neque adpulerit quisquam nisi gnaro custode. caeli temperies hieme mitis obiectu montis quo saeva ventorum arcentur; aestas in favonium obversa et aperto circum pelago peramoena; prospectabatque pulcherrimum sinum.

(Tácito)

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© José Pacheco Pereira
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