ABRUPTO

13.5.12


 COISAS DA SÁBADO: 

HOLLANDE NA PÁTRIA DO CHANTECLER 

François Hollande é uma encarnação de um mal político que de há muito infecta a política em democracia: a ascensão de políticos medíocres aos mais altos lugares, com uma linguagem burocrática e certinha, meia dúzia de promessas completamente irrealistas e insensatas, e a força dos seus aparelhos partidários. No caso de Hollande jogou também a sorte, porque estava no lugar certo no tempo certo, e encontrou um eleitorado que detestava mais o seu adversário do que a ele, e, para tirar um, votou no outro. Já conhecemos isto por cá, e a rejeição de alguém é uma das forças eleitorais mais poderosas para eleger outrem. Sarkozy gerou essa rejeição, comportando-se nos últimos anos como um parceiro menor de Merkel, exactamente o papel que os franceses têm na Europa mas nunca podem admitir que têm. Sarkozy exagerou na dose e acabou por ser um espelho de fraquezas que o tradicional peito inchado do Chantecler não podia suportar. No fundo, os franceses acreditam que é devido ao canto sonoro do seu galo emproado, que o sol se levanta. Sarkozy tinha a pose mas ninguém o tomava a sério e o resultado foi o que se viu. É verdade que a eleição de Hollande é um aviso para a Alemanha de Merkel, claro e inequívoco, e pode mostrar um reforço da esquerda europeia assente na rejeição das políticas de austeridade, mas o que ele vai ou não vai fazer ainda está por se conhecer, tanto mais que Hollande ainda tem legislativas para ganhar, decisivas para moldar o seu mandato presidencial. 

 A CHANTAGEM POLÍTICA SOBRE OS ELEITORES EUROPEUS 

Dito tudo isto, até eu fico “hollandiste” ao ver o modo arrogante e sobranceiro com que um conjunto de políticos europeus ligados à fase “Merkozy”, lhe vieram já dizer que tudo o que está feito é inegociável, a começar pelo célebre Pacto da “regra de ouro”. Que Merkel o faça, está no seu papel, embora o seu papel seja hoje mais perigoso e volátil sem o seu parceiro habitual, mas a corte de pequenos Merkel esquece-se que está a falar não só a Hollande como aos eleitores franceses, e, desrespeitando-os nas suas escolhas, a todos os povos europeus. E isso é inadmissível, que nas democracias os eleitores não possam escolher, mesmo que consideremos absurdas e perigosas as suas escolhas. O mesmo se aplica aos gregos. O Pacto Orçamental é uma escolha política, que Portugal com o excesso de zelo habitual foi logo assinar prematuramente, juntando-se aos gregos com a corda na garganta, mas não é uma “política única”, nem está acima das escolhas democráticas. Os gregos votaram significativamente numa variante local do Bloco de Esquerda, cujas propostas, tenho pessoalmente poucas dúvidas, são um desastre para a Grécia. Mas em democracia é assim, dentro da lei, quem tem votos para governar pode governar, e a “regra de ouro” pode ser rejeitada pelas escolhas livres de cada povo. O comportamento de chantagem europeu já é hoje um dos factores da crise grega suscitando o nacionalismo e radicalizando-o. Se, face a Hollande, se põe a dizer que a sua eleição e o seu programa são apenas para ser engolidos pela garganta abaixo na primeira ocasião, com mais ou menos discrição, e que está proibido sequer de fazer alguma coreografia de diferenciação, com medo que isso gere tentações em Espanha, na Itália, na Irlanda, Grécia ou Portugal, e assuste os “mercados”, arriscam-se a ter da próxima vez a senhora Le Pen.

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© José Pacheco Pereira
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