ABRUPTO

24.4.12


QUINZE FRASES ACTUAIS E UMA CONCLUSÃO

 
1. UM ERRO É UM ERRO, NÃO É UM ERRO DE COMUNICAÇÃO

Chamar a um erro um "erro de comunicação" é ocultar o erro. Depois é aumentar os custos da "comunicação" governamental, seja em assessores, ou em agências de comunicação.

2. CHAMAR AOS ERROS "ERROS DE COMUNICAÇÃO" TEM COMO EFEITO AUMENTAR A LOGOMAQUIA DOS GOVERNANTES...

... que falam pelos cotovelos, até que o seu excesso de fala é apontado como sendo um outro "erro de comunicação". Então ficam de novo silenciosos. Dura normalmente uma semana entre um ciclo e outro e depende dos jornais do fim-de-semana e da conversa televisiva de Marcelo Rebelo de Sousa.

3. É SUPOSTO ESTUDAR-SE ANTES DE FALAR

Uma classe dirigente que introduziu no vocabulário político a expressão infanto-juvenil do "trabalho de casa" conhece mal o país, estudou e estuda pouco, tem, salvo raras excepções, cursos de plástico, e teve pouca vida fora dos partidos que lhe tenha dado experiência. Sobram os "trabalhos de casa", os TPC, mas não chegam.

4. EM 24, 48, 72 HORAS, UMA SEMANA, É SUPOSTO DIZER-SE O MESMO SOBRE A MESMA COISA

É o mínimo que se espera de alguém responsável, mas é pouco aplicado. Exemplo: o 13.º e o 14.º mês e a data do seu retorno, retorno "gradual", ou "recuperação intensa". Ninguém disse coisa com coisa durante uma semana ou no mesmo dia. Não foi lapso, foi resistência em dizer a verdade. Foi dolo.

5. O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL SERVE PARA DEFENDER E APLICAR A CONSTITUIÇÃO

Por isso é suposto que ministros, a começar pela ministra da Justiça, não pressionem o tribunal quanto às suas decisões. Mais vale mudar a Constituição do que assistir a um Tribunal Constitucional que aceita o argumento de "emergência nacional" como regra, em vez de ser como excepção. O Tribunal Constitucional não tem estado à altura da sua missão, e tem permitido que tudo se faça como se não houvesse Constituição. Insisto, era mais saudável mudar a Constituição, porque ela não foi feita para sistemáticas "emergências" que institucionalizam as excepções como regra.

6. A PARTIDARIZAÇÃO DEVERIA TER LIMITES MAS NÃO TEM

O Tribunal Constitucional deve emanar do consenso político da Assembleia, e isso deve ser uma marca de origem indelével. Mas uma coisa é a sua génese política, outra é a redução dessa génese aos partidos políticos. Duas coisas são péssimas nos dias de hoje: acentuam-se as escolhas de estrita confiança partidária; e as opções a essas escolhas são feitas de forma cada vez mais degradada, reflectindo a situação do sistema partidário. Para constituir este tribunal, o modo como os partidos se entendem para as "suas" escolhas mútuas é cada vez mais pela mediocridade e pela obediência. E como a linguagem é comum e os interesses comuns, PS e PSD fazem escolhas semelhantes.

7. MAIS MAÇONARIA NOS ALTOS CARGOS DO ESTADO É PERIGOSO...

... porque há muitos aspectos do escrutínio da coisa pública que ficam limitados pela segredo e "obediência" maçónica. Já chega. O topo do Estado, hoje, é maçónico.

8. O MÉTODO DOS BALÕES DE ENSAIO É POUCO DEMOCRÁTICO E MUITO POUCO TRANSPARENTE

O método dos balões de ensaio, ou seja, aquilo que em linguagem popular se diz "atirar o barro à parede" a ver se cola, tornou-se um método habitual de governação. Legislação laboral, reformas, reestruturação do Estado, despedimentos na função pública, não é por acaso que em todos estes casos se assiste todos os dias ao "atirar do barro à parede" a ver se cola. A discussão que assim se suscita é deformada e pouco clara, as intenções dos governantes só são transparentes no dolo. O método tem dois resultados: instila medo, medo das soluções máximas, para depois fazer passar variantes apresentadas como mais moderadas; ou gera o ridículo. O medo é o efeito mais poderoso, agora que tudo é fonte de fragilidade para as pessoas.

9.QUEM ESTÁ NO PODER NÃO É JOSÉ SÓCRATES

Esta frase deveria ser escrita com fogo na noite escura, porque parece que muita gente discute como se Sócrates ainda estivesse a governar e não consegue falar criticamente dos que o sucederam. Ora a análise crítica do poder não pode ser só do passado. Há presente, meus amigos, mesmo que lhes seja incómodo. Sócrates tem enorme responsabilidade em tudo o que nos aconteceu e em muito do que acontece, mas não em tudo que acontece. E cada dia menos.

10. QUEM ESTÁ NO PODER NÃO É JOSÉ SÓCRATES, NEM SEQUER NO PS, EMBORA POSSA PARECER O CONTRÁRIO

António José Seguro suscita o fantasma de Sócrates porque nunca o exorcizou, como sugeriu que fez na sua oposição silenciosa nos anos "socráticos". Por isso, ficou preso de uma ambiguidade estrutural, que o PSD acentua de cada vez que fala. Mas, mesmo assim, Sócrates é apenas um fantasma que "anda por aí". Não voltará tão cedo, não vale a pena viver obcecado com a sombra do homem. A não ser que se tenha medo dele.

11. QUEM ESTÁ NO PODER É O TRIUNVIRATO PASSOS COELHO-VÍTOR GASPAR-MIGUEL RELVAS...

... que tem todo o interesse em manter Sócrates vivo, no país, no PS e nos jornais. Um dia, isto esgota-se e o feitiço volta-se contra o feiticeiro porque a memória é complicada. E irónica.

12. CONVÉM A COMUNICAÇÃO SOCIAL NÃO VOLTAR À PRÁTICA DE ENGOLIR TUDO O QUE SE LHE PÕE NO PRATO

Como no passado fez com os "aviõezinhos" da Ota, ou com os grandes projectos rodoviários, ferroviários, eólicos, de energia das marés, de tudo que é hoje o monte de destroços que estão por todo o lado, nalguns casos visíveis logo de seguida como o "moinho de ondas". E, no entanto, esta era a "notícia": "Portugal é, a partir desta terça-feira, o único país do mundo com um parque de aproveitamento de energia das ondas. A cerimónia de inauguração - uma viagem desde o porto de Leixões até ao largo da costa da Póvoa de Varzim - contou com a presença do ministro da Economia e da Inovação, que salientou a importância deste projecto e referiu os empregos que serão criados." Quantas destas "notícias" são dadas hoje todos os dias?

13. FOI COLOCADA MUITA PAPINHA NO PRATO DA COMUNICAÇÃO E FOI TODA ENGOLIDA

O tom é diferente, mas o princípio da papinha é o mesmo: foi um "buraco" vindo do PS que exigiu a violação de promessas eleitorais, sendo que o "buraco" nunca foi identificado; foi a verificação dos custos da integração dos fundos da banca que exigiu o Orçamento rectificativo e não a execução orçamental; foi o custo da antecipação das reformas que motivou o congelamento dessas reformas e não a crise suscitada na Segurança Social pelo aumento exponencial do desemprego; o ampliar a data do retorno dos subsídios para 2015 não é uma nova medida de austeridade, mas apenas o resultado de 2015 ser a seguir a 2014...

14. CONVÉM NÃO EMBANDEIRAR EM ARCO COM TODA A PAPINHA COLOCADA NO PRATO ATÉ PORQUE A PAPINHA ÀS VEZES É DE MUITO CURTA DURAÇÃO

Foi o caso da Taxa Social Única, da meia hora de trabalho a mais, das promessas de que era apenas necessário meio subsídio de Natal, depois que bastava 2012 e 2013 de cortes nos subsídios, etc., etc. Em todos estes casos, uma multidão de jornalistas e comentadores económicos "sensibilizados" pelo mérito das medidas do Governo afirmou a sua indispensabilidade e correcção. Tinham que ser estas medidas e nenhumas outras. Não foram. Na próxima vão fazer o mesmo: vem do Governo, é bom, é "inevitável", não se pode discutir. O poder tem muita força.

15. UM SINDICATO PODE SER INSTRUMENTO DE UM PROGRAMA DE AUSTERIDADE PACTADO, NÃO PODE SER INSTRUMENTO DE UMA FRAGILIZAÇÃO DOS TRABALHADORES NA RELAÇÃO LABORAL...

... sob pena de pôr em causa a sua própria função. É mais compreensível e aceitável que um sindicato assine um acordo de emergência para baixar salários, do que assine um acordo para "flexibilizar" os despedimentos. São coisas de natureza diferente, envolvendo consequências diferentes. A UGT cometeu esse erro e agora, quando pretende timidamente minimizá-lo, recebe como resposta uma frase jocosa que a insulta e minimiza. É o que dá pôr-se a jeito.

CONCLUSÃO: sindicatos, tribunais, associações, pessoas podem aceitar muitos sacrifícios, mas não se podem pôr a jeito. Se se põem a jeito, aceitam ser abusadas. Acontece todos os dias e nada tem a ver com crise. Podia ser diferente, mas esta diferença só se enuncia quando se critica quem tem poder, quem está no poder. Antes e agora.
 
(Versão do Público de 21 de Abril de 2012.)

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© José Pacheco Pereira
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