ABRUPTO

30.4.08


HUBBUB


26. DICIONÁRIO DO PSD: "BASES"

"Bases" - a palavra "bases" para designar os militantes de um partido, aquilo que os ingleses chamam rank and file, é uma interessante manifestação vocabular da influência de Maio de 1968 onde menos se espera. Os Comités de Base, as organizações de base, a Base - FUT, "todo o poder às bases", ou "as bases contra as cúpulas", foram algumas das designações e usos que trouxeram, pela extrema-esquerda, a palavra "bases" para o vocabulário de partidos como o PSD, muitas vezes por via do catolicismo progressista. O PSD não tinha tradição própria, hesitava em usar o vocabulário corrente nas tradições jacobina e comunista ("cidadãos", "camaradas", preferia "companheiros"), e passou a usar as palavras que circulavam nos meios não-comunistas do socialismo radical como o MES, ou em sectores do MFA. Muito significativamente nenhum dirigente do PCP trata os militantes do seu partido de "bases", mas sim de "comunistas" ou "militantes", do latim "milites", soldado. A expressão não é também usada correntemente no PS, ficou na identidade do PSD.

(Continua.)

*
Os vocabulários nos partidos sempre tiveram piada. Por ex. no MES havia uma palavra com muita importância e significado que era “orla”. Era um grau acima ao da “base” e com uma conotação mais intelectual. Havia quem militasse nas bases e quem militasse nas orlas. Vir das “orlas” significava um pouco como deixar de ter dúvidas. E havia os que voltavam às orlas. Era uma espécie de limbo ao qual se dava por princípio muita atenção e onde havia sempre muita discussão.

(sérgio)

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EARLY MORNING BLOGS


1287

On s'est trompé lorsqu'on a cru que l'esprit et le jugement étaient deux choses différentes. Le jugement n'est que la grandeur de la lumière de l'esprit; cette lumière pénètre le fond des choses; elle y remarque tout ce qu'il faut remarquer et aperçoit celles qui semblent imperceptibles. Ainsi il faut demeurer d'accord que c'est l'étendue de la lumière de l'esprit qui produit tous les effets qu'on attribue au jugement.

(De la Rochefoucauld, Reflexions ou sentences et maximes morales )

*

Bom dia!

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29.4.08


EXTERIORES: CORES DO DIA DE HOJE

Clicando na fotografia fica na boa dimensão. Para se ver



Letreiro numa loja de Nova York. (Ana Pimentel)



Vista das traseiras do café-restaurante do Centro Comercial Roma, em Lisboa, assaltado esta madrugada (de 28 para 29 de Abril). À parte o ladrão que se feriu nos vidros (há sangue visível), parece que, na realidade, já ninguém se preocupa muito.

( C. Medina Ribeiro)



Camponesa a «cortar erva», como se diz em Sul. (José Manuel de Figueiredo)



Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM)





Cabo da Boa Esperança. (Manuel Pinheiro)





Andebol no Funchal. (C. Oliveira)



Saída da Missa. (RM)

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1286 - Odisea, libro vigésimo tercero

Ya la espada de hierro ha ejecutado
La debida labor de la venganza;
Ya los ásperos dardos y la lanza
La sangre dcl perverso han prodigado.
A despecho de un dios y de sus mares
A su reino y su reina ha vuelto Ulises,
A despecho de un dios y de los grises
Vientos y del estrépito de Ares.
Ya en el amor del compartido lecho
Duerme la clara reina sobré el pecho
De su rey pero ¿dónde está aquel hombre
Que en los días y noches del destierro
Erraba por el mundo como un perro
Y decía que Nadie era su nombre?

(Jorge Luis Borges)

*

Bom dia!

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28.4.08


EARLY MORNING BLOGS


1285

Un habile homme doit régler le rang de ses intérêts et les conduire chacun dans son ordre. Notre avidité le trouble souvent en nous faisant courir à tant de choses à la fois que, pour désirer trop les moins importantes, on manque les plus considérables.

(De la Rochefoucauld, Reflexions ou sentences et maximes morales )

*

Bom dia!

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27.4.08


EXTERIORES: CORES DO DIA DE HOJE

Clicando na fotografia fica na boa dimensão. Para se ver



"Espaço Internet" em Covas do Monte. (José Manuel de Figueiredo)

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HUBBUB


25.

Estranhas formas de vida.

Interessantes e imaginativas formas de consulta às "bases":
Um grupo de 58 militantes destacados do PSD/Algarve decidiu hoje por larga maioria apoiar a candidatura de Alberto João Jardim à liderança do PSD, numa votação em que Manuela Ferreira Leite obteve apenas 3 por cento de votos favoráveis. Questionados directamente sobre uma eventual candidatura do presidente do Governo Regional da Madeira, 52 por cento dos militantes consideraram-na «a melhor» e 29 por cento «talvez», contra apenas 17 por cento de «nãos», revelou Mendes Bota à Lusa no final da reunião, destacando que «81 por cento abriu as portas a Alberto João Jardim». (...) Convocada pelo presidente da distrital de Faro, Mendes Bota, a reunião, de carácter informal, teve como base de convocatória a comissão que há seis meses apoiou a candidatura de Luís Filipe Menezes, bem como os órgãos distritais, as secções e vários presidentes de câmara. Mendes Bota reconheceu que não foram convidados alguns militantes e autarcas sociais-democratas ...

(LUSA)
Um boletim de voto encolhido e "simplificado":
No Porto, a Comissão Politica Alargada escolherá hoje entre "Votar em Pedro Passos Coelho, Alberto João Jardim ou APOIAR OUTRA SOLUÇÃO EM ALTERNATIVA" - assim mesmo, em letras gordas, e excluindo Santana Lopes e Ferreira Leite.

(Jornal de Notícias)

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COISAS DA SÁBADO: A PALAVRA PRESIDENCIAL



O Presidente tem-se dedicado a falar dos benefícios da “palavra presidencial”, um contributo para a sua teorização da função. “Cooperação estratégica” e o uso da “palavra presidencial”, são as suas contribuições para já. Quanto a esta última, Cavaco Silva considera-a na sua dupla vertente de “palavra pública” e “privada”. Considera a primeira “um dos mais importantes instrumentos de actuação do Presidente da República” e defende o seu uso “ponderado” em “falar de modo a ser escutado” resistindo à “pressão mediática”. A palavra em privado exige
contenção da sua parte como pode exigir que actue com discrição, longe dos holofotes da comunicação social, e que sujeite certas matérias a um dever de reserva. Este dever de reserva não significa, (...) , alheamento ou passividade relativamente às políticas e às medidas governamentais, nem uma renúncia definitiva a, se for caso disso, sobre elas vir a tomar posição pública.
No texto em que faz esta teorização do uso da “palavra presidencial” dá vários exemplos concretos de como a usou no segundo ano do seu mandato, e de um modo geral, tal uso parece ser equilibrado. Mas foi exactamente baseado nestas ideias sobre a sua “palavra” que o Presidente se recusou a dizer alguma coisa, e a fazer alguma coisa. Se o tivesse feito sabia-se pela natureza impossível do “privado” desse fazer no que diz respeito à recusa de Jardim e dos deputados do PSD em fazerem uma sessão solene do parlamento regional para receber o Presidente na sua instituição. Tudo isto com a agravante de Jardim, no seu estilo habitual, ter chamado “loucos” aos deputados da oposição.

Quando confrontado com o seu silêncio o Presidente remeteu para o que tinha escrito sobre a “palavra presidencial”, para justificar reserva pública. Só que neste caso não há palavra privada que substitua a pública, a matéria não é aliás passível de tratamento privado, não é do mesmo teor que o apaziguamento entre o governo regional e o nacional, não se trata de nenhuma matéria de discussão em que o Presidente modere. Não trata-se de pura política democrática, tratava-se do Presidente mostrar, usando a sua palavra, com ponderação e prudência, que não era indiferente a não ser recebido no parlamento regional, porque a maioria acha que a oposição são uns “loucos”. É uma matéria política que exigiria uma palavra presidencial sobre as instituições, que só podia ser pública. E que não podia ser silenciada, como foi.

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INTENDÊNCIA



Em alturas como estas há sempre um enorme surto do correio. Em momentos mais pacíficos, já não lhe dou resposta adequada. Agora então é que não consigo dar-lhe resposta a não ser ínfima. Peço desculpa a todos. Leio tudo, nada fica sem atenção, mas não posso garantir resposta atempada.
*

Os Estudos sobre o Comunismo estão a ser actualizados, incluindo o texto "Francisco Martins Rodrigues e a Reunião do Comité Central do PCP de Agosto 1963 em Moscovo", versão simplificada e sem notas de parte de um capítulo de um livro que estou a terminar, intitulado O “Um Dividiu-Se Em Dois”. Origens e Enquadramento Internacional dos Movimentos Pró-Chineses e Albaneses nos Países Ocidentais e em Portugal (1960-1965).

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EXTERIORES: CORES DO DIA DE HOJE

Clicando na fotografia fica na boa dimensão. Para se ver



S. Petersburgo: espera para a bênção dos Kulich, bolos tradicionais de Páscoa.
(João Tiago Santos)

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EARLY MORNING BLOGS


1284 - "Speech"

"Speech"—is a prank of Parliament—
"Tears"—is a trick of the nerve—
But the Heart with the heaviest freight on—
Doesn't—always—move—

(Emily Dickinson)

*

Bom dia!

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26.4.08


O JUDEU ERRANTE





De regresso.

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23.4.08


BIBLIOFILIA: GRANDES CAPAS





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LENDO
VENDO
OUVINDO

ÁTOMOS E BITS

de 23 de Abril de 2008


Vale a pena ler como os Beatles escreveram Paperback Writer e a memória de duas livrarias que conheci bem:
"There was a shop on Charing Cross Road that sold nothing but Penguins, and a few doors away, Better Books also sold their complete catalogue, taking up half a room. In the days before hardback publishers had their own paperback lines, Penguin was able to publish George Orwell, Evelyn Waugh, Virginia Woolfe, Aldous Huxley, F. Scott Fitzgerald, James Joyce, D.H. Lawrence, virtually every major author. Everyone knew their colour coding: orange spine for fiction; blue for the non-fiction Pelican line; green for crime, black for classics. Germano Facetti had already introduced illustrations to the covers, but the typography and layout was still strictly standardised."
*

Finalmente (presume-se) avança o Galileo, o GPS europeu. Os americanos sempre colocaram uma objecção de fundo a este sistema, a possibilidade do seu grau de precisão poder servir para a prática de actos terroristas. O sistema GPS americano existente tinha uma desfocagem entre o uso militar e o civil para impedir em situações de emergência a localização precisa de alvos. Os europeus não se sentem alvos...

*
O Galileo não vai cumprir o objectivo para que foi imaginado: ser um negócio. Todos os investidores privados se retiraram. Tudo será pago com o dinheiro dos nossos impostos, sem se perceber o que ganham os europeus com um programas que tem anos e anos de atraso. Só se percebe o que ganham os franceses: os seus mísseis são os únicos guiados por GPS. Cada vez que lançam um, têm de informar os americanos e pedir os códigos que dão acesso à geolocalização com precisão militar. Eles não gostam, pois são franceses. E nós vamos todos pagar, porque somos “europeus”. Entretanto continuaremos a dizer que somos multilateralistas (deve ser por querermos um GPS só nosso) e os americanos é que são unilateralistas (deve ser por deixarem os franceses utilizar o deles).

Pelo que sei, os jornalistas franceses conhecem estas motivações do seu país. Mas nunca encontrei nada escrito por eles sobre o assunto. C’est lá liberte de presse à la française…

(JAT)

*

O GPS tem neste momento uma precisão capaz de satisfazer a esmagadora maioria das necessidades de navegação, o que pode levantar dificuldades ao Galileo, que serão agravadas se o Glonass russo vier a ser concluido antes do sistema europeu e entrar no mercado comercial. Após o Selective Availability ter sido desactivado, com a introdução de sistemas de correção e integrados de nova geração, é normal que o erro seja inferior a poucos metros. Mais detalhes aqui.

(Nuno M. Cabeçadas)

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ANTI-HUBBUB


24.

Sem se "consertar" primeiro o PSD, restituindo-lhe um mínimo de credibilidade, o que significa mudar estilos, linguagem, processos e pessoas, não adianta avançar com grandes arroubos programáticos porque pura e simplesmente ninguém os percebe, nem os ouve, nem os faz. Qualquer outra proposta pode ser muito bonita no papel, mas é profundamente irrealista, e serve os "maus", ou é mera retórica. Claro que este meu "primeiro" não deve ser entendido como isolando o "conserto" da renovação programática, as duas coisas têm que ser feitas ao mesmo tempo, mas com uma certa maneira, um certo ritmo, tempo e modo. Aliás, é esta a última oportunidade de ainda o fazer. Se falhar, acabou. Mas se não se cuida da primeira razão (o "conserto"), não se faz a segunda (a cesura política) e não o contrário. Como todos os intelectuais eu também prezo as rupturas, mas é difícil romper mais o que já está rompido, e o que não está rompido está tão puído, que se pode rasgar todo. Poderá dizer-se que ainda bem, estrague-se o PSD para fazer outra coisa, mas eu não faço parte daqueles que querem deixar o país entregue ao PS por mais uma década.

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LENDO
VENDO
OUVINDO

ÁTOMOS E BITS

de 23 de Abril de 2008



Cito as primeiras frases do que escrevi hoje na Sábado: O acontecimento mais importante para a nossa vida pública nas próximas décadas vai passar sem que ninguém dê por nada. Deveria ser um escândalo público, mas nem sequer é um vago interesse ciciado. Em tão poucas coisas mostramos mais a nossa apatia cívica do que na questão do Tratado que terá o nome de Lisboa.

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INTENDÊNCIA



Os Estudos sobre o Comunismo estão a ser actualizados, incluindo mais materiais sobre Francisco Martins Rodrigues (1927-2008).

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HUBBUB


23.

Algumas das pessoas mais velhas que conheci no PSD eram as mais novas.

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EARLY MORNING BLOGS


1283 - In April

This I saw on an April day:
Warm rain spilt from a sun-lined cloud,
A sky-flung wave of gold at evening,
And a cock pheasant treading a dusty path
Shy and proud.


And this I found in an April field:
A new white calf in the sun at noon,
A flash of blue in a cool moss bank,
And tips of tulips promising flowers
To a blue-winged loon.


And this I tried to understand
As I scrubbed the rust from my brightening plow:
The movement of seed in furrowed earth,
And a blackbird whistling sweet and clear
From a green-sprayed bough.

(James Hearst)

*

Bom dia!

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22.4.08


HUBBUB


22.

É muito interessante ver Luis Delgado na SICN a tratar os militantes do PSD, as "bases" que, segundo ele, Menezes e Santana controlam, como o sr. Joãozinho das Perdizes tratava os "eleitores de Pinchões":
Atrás vinham os eleitores de Pinchões, velhos e moços, ricos e pobres, mas todos com o olhar tímido e estúpido, todos com movimentos enleados, todos com os olhos no caudilho, para saber o que deviam fazer; se ele parava a cumprimentar um amigo, paravam todos com ele; a direcção que tomava, tomavam-na todos a um tempo; apressavam ou demoravam o passo, segundo a velocidade que ele dava aos seus; se ria, sorriam; se praguejava, tudo ficava sério. O cortejo parou à porta da igreja. O morgado passou revista à sua tropa, à qual deu instruções. Os homens, com os cabelos para diante dos olhos, os braços estendidos e a cabeça baixa, não ousavam fazer um movimento e conservaram-se enfileirados até nova ordem do Sr.Joãozinho. Pareciam envergonhados de serem precisos a alguém. No bolso de cada um destes homens havia um oitavo de papel almaço dobrado, no qual estava escrito um nome; um nome de um homem que eles nem sabiam se existia no mundo. No momento devido, cada um deles, chamado pela voz do escrutinador eleitoral, respondia "presente" ; aproximar-se-ia da urna, entregaria ao presidente da mesa aquele papel e retirar-se-ia satisfeito, como se descarregado de um peso que o oprimia. Se lhes perguntassem o que tinham feito, qual o alcance daquele acto que acabavam de executar, não sabiam dizê-lo; se lhes perguntassem o nome do eleito para advogado dos seus interesses e defensor das sua liberdades, a mesma ignorância; se lhes propusessem a resignação do direito de votar, aceitariam com júbilo; se, finalmente, lhes dissessem que naquele dia estavam nas suas mãos e dos seus pares os destinos do país, abririam os olhos de espantados, ou sorririam com a desconfiança própria dos ignorantes.

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HUBBUB


21.

Vai ser preciso muito esforço para remendar os rasgões que a demagogia das "bases" contra os "notáveis" fez e faz no PSD. Nem de um lado estão as "bases", mas sim um grupo de verdadeiros funcionários do partido, cuja actividade profissional é ou depende de serem dirigentes locais do PSD; nem do outro estão "notáveis", mas sim muitas pessoas que pela sua profissão, actividade, mérito, têm influência profissional, capacidade e credibilidade junto do país, que vai para além da sua qualidade de serem militantes do PSD. E têm independência, têm onde cair mortos. O problema é que num PSD cada vez mais encolhido, mais pequeno, com 26% nas sondagens, os profissionais partidários têm cada vez menos lugares para distribuir e como não têm na sociedade qualquer recuo, qualquer capacidade de manterem o estatuto, o carro, o telemóvel, o salário, precisam de varrer tudo à frente, mesmo se for preciso destruir o partido pelo caminho.

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EXTERIORES: CORES DO DIA DE HOJE

Clicando na fotografia fica na boa dimensão. Para se ver



Pico no intervalo do tempo. (José Junqueira)



Patagónia argentina, glaciar Perito Moreno. (MJ)





Chegada do Presidente a Porto Santo. (João Almeida)



No Tejo.



Passagem do tempo por um banco do jardim de S. Amaro. (RM)





Chuva em Lisboa. (António Cabral)

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INTENDÊNCIA



Os Estudos sobre o Comunismo estão a ser actualizados, incluindo uma nota sobre a morte de Francisco Martins Rodrigues (1927-2008).

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ANTI - HUBBUB


20.

Eppur si muove

Há condições para haver uma mudança no PSD com uma candidatura séria e credível reconhecível por todos, dentro e fora do partido. Há mesmo.

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EARLY MORNING BLOGS


1282 - "Hope" is the thing with feathers

"Hope" is the thing with feathers --
That perches in the soul --
And sings the tune without the words --
And never stops -- at all --

And sweetest -- in the Gale -- is heard --
And sore must be the storm --
That could abash the little Bird
That kept so many warm --

I've heard it in the chillest land --
And on the strangest Sea --
Yet, never, in Extremity,
It asked a crumb -- of Me.

(Emily Dickinson)

*

Bom dia!

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21.4.08


EXTERIORES: CORES DO DIA DE HOJE

Clicando na fotografia fica na boa dimensão. Para se ver



Livraria El Ateneo, Buenos Aires. (MJ)

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PATRIOTISMOS



Faces do Batalhão 114 em Nambuangongo, 1961.

Não tive ocasião de ver os episódios da série sobre a guerra colonial que o Joaquim Furtado fez para a RTP quando passaram originalmente. Como às vezes me acontece quando quero mesmo ver alguma coisa e não tenho tempo para a ver toda, todos os episódios, toda a série, adio para depois e acabo por não ver. Disfunções. Faltas de tempo. Pouco interessa. Tenho visto agora alguns episódios referentes ao ano de 1961 e junto-me tardiamente ao coro dos louvores sobre a qualidade e a importância da série, a primeira a mostrar o drama da guerra colonial nas suas componentes testemunhal e visual, exactamente as mais "poderosas" e as que mais faltavam no nosso conhecimento. É uma grande série documental de televisão em qualquer sítio do mundo e, no caso português, uma contribuição para a nossa autognose que não se vê com indiferença. Já é história, mas ainda não é história - é a nossa história.

Mas há mais. Ela coloca-nos perante o melhor e o pior de nós mesmos, não no passado longínquo para onde fugimos quando queremos encontrar as virtudes que faltam no presente, mas para acontecimentos, atitudes, que nos são contemporâneas, sobre as quais poderíamos também testemunhar porque aconteceram de algum modo connosco. Eu saio da visão daqueles episódios com um forte sentimento de admiração por quem nunca pensei tê-lo assim: pelos nossos soldados, por aqueles portugueses pequenos e desajeitados, com fardas bizarras e atamancadas, que poderiam parecer que estavam no filme errado e que pediam para os tirarem dali. Não, pelo contrário, estavam no filme certo, num filme trágico, mas certo.

Sem deixar de ser o que sou, e o que era, sem dúvidas existenciais sobre o meu anticolonialismo nem a minha oposição à guerra, dou por mim a ver os documentários de Joaquim Furtado e a identificar-me com aqueles soldados e oficiais portugueses que em 1961, quase sem nada, foram mandados para uma guerra para que não foram preparados, perdidos no meio das matas perante um inimigo ou invisível no meio do capim, ou demasiado visível nos seus ataques suicidas em massa, sem armas capazes, sem munições, sem comida, e que avançavam para hastear a bandeira portuguesa em meia dúzia de edifícios desventrados no meio de terras do café que lhes deveriam ser totalmente estranhas.



Está lá o colonialismo, mas não é nos soldados, é nas ridículas, então e hoje, afirmações de "portuguesismo" dos negros de Angola, a cantar uma estranha A Portuguesa, a saudar a bandeira, a servir de decoração à tardia mistificação que éramos todos portugueses quando ainda ontem éramos uns portugueses, outros indígenas: uns pretos e outros brancos. Isso é que soa a falsete e era falsete, porque em 1961 não havia negros bons a não ser na propaganda. A série de Joaquim Furtado mostra uma realidade que continuamos a esconder, é que aos massacres da UPA se seguiram massacres perpetrados pelos portugueses, pelos colonos e pela tropa, a que não escapava um racismo instrumental onde o único negro em que se podia confiar era no negro morto. Foi assim em 1961, e é um serviço para a nossa memória colectiva que se conheça como foi.

Voltemos aos soldados. Percebe-se que aqueles homens estão lá profundamente convencidos de que estão a defender uma realidade que para eles, ali em Angola, no mais estranho dos lugares, não é etérea - estavam a defender Portugal. Portugal pelo qual estão dispostos a sacrificar-se, a correr riscos e a morrer. O que os motiva é aquilo que é um dos sentimentos mais estranhos, complicados, mortíferos que há, o patriotismo. E percebe-se que estão motivados. Não é a tropa de 1970, é a tropa de 1961, os primeiros contingentes chegados a Luanda, recebidos pelos colonos desesperados e atirados no dia seguinte para as picadas do Norte.

Olhando aqueles homens, rudes, vindos de um Portugal então muito rural, desajeitados, com capacetes de aço feitos para a II Guerra Mundial, no meio das picadas, ainda tendo como obstáculos principais árvores cortadas e sem minas, os aviões e avionetas de um catálogo de velharias, vendo a face do medo que os homens corajosos têm, sentimo-los não só próximos, nossos, mas como gente que merece um reconhecimento que não lhes demos porque ficaram do lado que perdeu. Só que também nós perdemos com eles e não o queremos reconhecer. Num país à míngua de virtude e com um enorme catálogo de defeitos colectivos, lá estão aqueles homens, que mostram que somos capazes, no meio do maior deserto moral como era o Portugal de Salazar, de ter "portuguesinhos valentes", uma frase que diz imenso, tão capazes de uma heroicidade simples como a que louvamos nos de "quinhentos" e que hoje achamos perdida.

Eu olho do lado oposto. A guerra colonial também fez a minha vida, por isso não sou indiferente àquelas imagens e relatos que não o são de tempos normais, mas sim excepcionais. Ali matava-se e morria-se, não é a mesma coisa que ir trabalhar pela manhã, estudar pela tarde, ler um livro, pagar uma conta, ter um engarrafamento ou uma gripe. Aquilo é a sério e onde é que estava eu? Como é que a guerra colonial me "interpelou"?, para usar uma palavra de que os católicos gostavam nos tempos em que era preciso ter compromissos.

Como muitos jovens da minha geração que combatiam o regime de Salazar e Caetano, nunca me passou pela cabeça fazer a guerra. Sabia que, a uma determinada altura, o dilema se colocava e nunca duvidei um segundo sobre o que fazer quando tivesse que prestar serviço militar: fosse em que circunstância fosse, como refractário ou como desertor, iria para o estrangeiro ou para a "sombra" da clandestinidade. Não era sequer um dilema, era uma certeza, sobre a qual nunca hesitei. A guerra colonial não me colocava nenhum dilema, não me "interpelava", sabia o que devia fazer.

Hoje, como não há memória, pode-se pensar que este caminho que milhares de jovens da minha geração tomaram era fácil e cómodo. Não era. Também não era o medo da guerra, porque de um modo geral havia mais coragem em recusá-la do que em fazê-la, era mais um acto de vontade recusá-la do que seguir na onda da obrigação legal, mesmo que contrafeita.
A frase anterior resulta ambígua e permite críticas como a que fez Vítor Dias no Tempo das Cerejas, que são legítimas devido exactamente à frase não ter ficado clara. Não era minha intenção fazer qualquer medição de coragem que seria sempre absurda. O que eu queria dizer é que, no momento da decisão, de ir ou não, a última escolha implicava de imediato mais consequências, a começar pelo facto de se estar a cometer um acto ilegal que interrompia de imediato a possibilidade de se continuar uma vida normal . A decisão de ir era mais passiva. Não penso que neste dilema ir / desertar se possa sobrepor o par coragem / cobardia, mas penso que a decisão consciente de recusa da guerra, com todas as suas consequências, era uma decisão corajosa.

Claro que aqui há, nesta questão levantada por Vítor Dias a sobrevivência de uma polémica, que só os que padecem de memória excessiva se lembram hoje, entre o PCP e a extrema-esquerda na altura, sobre o modo como se devia actuar contra a guerra, ir ou não à tropa, ser refractário ou desertor, desertar onde e como e com quê (com as armas por exemplo).
O caminho da emigração política era complicado, implicava riscos consideráveis para se passar a fronteira, ou as fronteiras, porque havia duas antes de chegar a França, ambas perigosas. Fronteiras que se passava indocumentado, porque a maioria não era autorizada a ter passaporte quando estava em idade de cumprir o serviço militar.



Era o exacto oposto daquilo que hoje se chama uma "carreira", era um caminho de imprevisibilidades. Era, como diziam os pais sábios, "estragar a tua vida". Rompidos os laços com Portugal, que se presumiam sem retorno, o que é que se podia fazer lá fora, muitas vezes com poucos recursos e em ruptura também com a família? No Portugal do início dos anos sessenta, o "estrangeiro" era uma incógnita para um país periférico e isolado e era uma aventura ir para lá. Muitos dos que recusaram a guerra viveram com muitas dificuldades, trabalharam como contínuos, em fábricas, em restaurantes, em hotéis, em aviários, numa profusão de profissões menores e só alguns estudavam com as bolsas que eram dadas pelos países de acolhimento. É verdade que não durou muito, mas ninguém sabia que não iria durar muito. Alguns ficaram para sempre e vivem na Holanda, na França, na Suécia, na Itália, no Reino Unido. Para eles, Portugal perdeu-se de vez.

O que é que movia quem se recusava a fazer a guerra colonial? Ideologia, "anticolonialismo", ser contra Salazar, comunismo, pacifismo, objecção de consciência? De tudo um pouco, mas, bem vistas as coisas, a esta distância, é a mesma atitude que vejo nos homens de 1961 que aparecem nesta série televisiva: patriotismo. Por isso, uma natural proximidade devia envolver os homens desses dois mundos, cada um patriota a seu modo, acima de tudo na disponibilidade de viver uma vida difícil e perigosa por alguma coisa que não era individual, mas estava acima do conforto de cada um.

(Versão do Público de 19 de Abril de 2008.)

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© José Pacheco Pereira
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