ABRUPTO

17.11.06


AS MINHAS RAZÕES PRÓ-AMERICANAS



Os resultados eleitorais americanos representam uma sanção popular sobre a política da Administração Bush na qual avulta a condenação dos resultados da sua política face ao Iraque. Este é um facto indesmentível, embora estejam longe de ser claras as consequências dos resultados eleitorais, exactamente na questão que parece ter sido central na vitória democrática, a condução da guerra no Iraque.

Para lá da ganga espessíssima de hostilidade em que está envolvido tudo o que diga respeito a Bush, o problema que subsiste desde o 11 de Setembro é o mesmo: estamos ou não em guerra, qual a natureza dessa guerra, como é que ela se pode ganhar. Já escrevi bastante sobre a questão de saber até que ponto se está (os EUA e também os europeus, queiram-no ou não) em guerra. Trata-se agora de, à luz dos resultados eleitorais americanos, discutir se houve ou não racionalidade nas decisões americanas que conduziram à actual situação no Iraque e saber se essas razões permanecem válidas, mesmo que a situação no Iraque acabe mal, o que é provável, mas ainda não é inevitável.

Deixo aqui pelo caminho aquilo que já me parecia óbvio ter sido errado na condução americana do conflito: dependência diplomática da justificação da guerra pela acusação sobre as armas de destruição maciça, número escasso de tropas americanas para uma ocupação eficaz do Iraque, perda de controle da situação nos primeiros dias com as pilhagens, a dissolução das estruturas administrativas e do exército iraquiano, e a incompetência e a ingenuidade da "visão" de um Iraque fácil de controlar e sedento de democracia. Refiro-me apenas, para que não pareçam argumentos ex post facto, a observações e reservas que tenho vindo a fazer muito anteriores aos resultados eleitorais americanos. Foram erros que se pagaram caro, mas cujo "pagamento" eleitoral corre o risco de dar origem a outros erros que ainda mais caro se pagarão, em particular se a "pressa" de alguns democratas impuser uma retirada rápida do Iraque. Muitas coisas podem ser corrigidas com as tropas lá, nenhuma sem elas.

Voltemos à origem, aos dias seguintes ao 11 de Setembro. Os americanos, povo, partidos republicano e democrata, e Administração Bush consideram-se em guerra. Guerra contra quem? Contra o fenómeno do radicalismo muçulmano no conjunto de todas as suas ramificações, não apenas o fundamentalismo da Al-Qaeda, mas todo o arco de extremismo antiamericano (e de passagem anti-israelita) que geravam um pano de fundo de instabilidade intratável no Médio Oriente. Esta percepção de que seria necessário defrontar todo o radicalismo islâmico e não apenas um grupo fundamentalista foi uma consequência do impacto do 11 de Setembro. Havia risco numa opção mais vasta do que aquela que animara as administrações Bush pai e Clinton, mas não muito distinta e nalguns aspectos em continuidade. A primeira guerra do Golfo (Bush pai) e os ataques com mísseis ao Sudão (Clinton) eram precursores desta política. É verdade que o fundamentalismo muçulmano e o radicalismo antiamericano, muitas vezes com origem em sobrevivências do nacionalismo pan-árabe, noutras no jogo local de competição de ditaduras nacionais várias que se voltavam contra os EUA em função das suas alianças, não eram e não são sobreponíveis nas suas intenções e discurso, mas eram-no nos seus efeitos, na criação de uma zona quente do mundo, cada vez mais agressiva, melhor armada, mais instável.

Se havia que fazer alguma coisa de drástico e com maior alcance estratégico, e os EUA estavam dispostos a fazê-lo em 2002, tinha de se utilizar meios diferentes, visto que os anteriores não eram suficientes e os EUA não quiseram dar ao 11 de Setembro a resposta europeia: polícias e serviços de inteligência numa estratégia clássica de contraterrorismo. Resolveram ir mais longe utilizando as forças armadas porque queriam alterar os dados do problema e não apenas minimizar os estragos. Queriam inverter a relação de forças no Médio Oriente para ver se de uma vez podiam resolver dois problemas que lhes pareciam atingir os seus interesses nacionais de modo complementar: o problema do terrorismo e o efeito da instabilidade no Médio Oriente nos fornecimentos desse líquido estratégico, o petróleo.

Para mim, o cerne racional que conduziu à invasão do Iraque encontra-se na conjugação destas série de decisões: considerar como um acto de guerra os eventos do 11 de Setembro; resolver ir mais longe do que uma resposta antiterrorismo, acrescentando a disposição de intervir com forças militares, incluindo a invasão de países estrangeiros, de modo a actuar-se de forma suficientemente drástica para alterar a relação de forças no Médio Oriente a favor dos moderados. Esta ampliação da resposta agravou também os problemas a resolver. Ao mexer nos equilíbrios nacionais, de modo incipiente no Afeganistão, porque se garantiu o apoio do Paquistão, mas de forma relevante no Iraque, pelo papel do Irão, ter-se-ia que estar preparado para novas complicações e ter um plano estratégico de grande fôlego e longa duração. Não é líquido que os EUA o tivessem e que não tenham sido optimistas na possibilidade de conseguir resultados rápidos com economia de meios. Assim como menosprezaram o papel que a crescente divisão transatlântica teve no seu isolamento, logo numa maior dependência apenas das suas forças.

Seja o que for o que aconteça, as raízes do problema do radicalismo islâmico e os seus efeitos não mudam com o "diálogo", mudam só pela força ou pelo receio da força. Os atentados fundamentalistas não vão parar e podem, com o novo armamento biológico disponível, assumir um carácter de perturbação social sem paralelo no passado. A nuclearização do Irão mudará completamente o Médio Oriente e colocará em risco o estado de Israel. Podemos não querer ver nada disto e meter a cabeça na areia, ou podemos tentar responder como fizeram os EUA, nalguns casos mal, noutros bem (os EUA estão hoje mais protegidos do que a Europa de riscos terroristas).

Estamos perante um processo de longo prazo, cujas condicionantes não desaparecem lá porque não as queremos ver, e em que as batalhas perdidas são inevitáveis. Se olhássemos para a situação dos aliados em 1940-41 na sua luta contra Hitler e Mussolini, o resultado seria desastroso: derrota após derrota, perdida a França e com a retirada humilhante de Dunquerque. Churchill foi duramente atacado, mas, por muitos erros que cometesse, aquele era o lado, porque numa guerra há lados, mesmo quando Deus não parece estar em nenhum lado. Fica esta prevenção para que se perceba que este é um barco de que não tenho nenhuma intenção de sair, em particular quando ele atravessa os seus mais perigosos estreitos.

(No Público de 16 de Novembro de 2006)

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Gostava de oferecer a minha perpsctiva em relação aos resultados eleitorais Americanos, em complemento da sua crónica no Público de hoje. (...)

Os resultados dos eleiçãoes resultaram a meu ver da conjugação de vários factores, provavelmente não relacionados que, em meu enterder, individualmente nunca causariam o resultado que se verificou.

Foram eles:

1- A situação no Iraque
2- Os escândalos de corrupção no congresso envolvendo Republicanos (também os houve com Democratas...), principalmente os escândalos relacionados com o lobyista Abromov, o descalabro das finanças públicas, o défice gigantesco e os excândalos designados por "ear marks" ou "pork belly projects" relacionados com a preparação do orçamento (Bridge to nowhere no laska e outros casos idênticos)
3- Os casos de compadrio e incompetência em altos cargos da Administração, nomeadamente a nomeação do Sr, Brown para a agência de gestão de emergências e a tragédia resultante do Katrina.
4- O caso do representante pedófilo da Flórida e a irresponsável actuação da liderança da bancada Republicana na Casa dos Representantes.
5- O radicalismo da resposta de uma parte do GOP às propostas de GW Bush para a resolução do problema da imigração ilegal (interesssante que quase ninguém tenha referido que as ideias de Bush são muito próximas das do Partido Democrático e mais avançadas que as de muitos "progressistas" europeus, para a Europa...)

Nenhum destes factores individualmente )ou mesmo a combinação de dis ou três) teria causado a derrocada eleitoral Republicana. Mas a conjugação de todos foi fatal para os planos de Karl Rove.

(AJ Costeira, Texarkana, Texas)

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Acho, em particular, que há uma questão levantada a merecer especial atenção, a da racionalidade da invasão do Iraque. Há uma questão prévia, de natureza algo "técnica", que tem suscitado grande debate nos EUA (muito em particular em meios militares e da "Inteligence"), que é a de se saber se o combate ao terrorismo deve ser qualificado como "guerra", não na acepção comum, mas tendo em conta as implicações no tipo de tácticas, meios, etc. Mas deixemos de lado, por agora esta questão.

O seu ponto de partida, se bem compreendi, é o 11 de Setembro (após os 3 primeiros parágrafos de enquadramento da questão). E daí a minha primeira pergunta: considera que a acção militar no Iraque se inscreveu nesse combate ao terrorismo? Considera que, apesar dos relatórios recentes, haverá motivos fundados para se crer que o regime iraquiano promovia, apoiava, treinava, financiava, etc., organizações terroristas, em especial a Al Qaeda? Considera que, apesar dos erros cometidos e que refere, o terrorismo à escla global perdeu "élan", ficou mais enfraquecido e suscita menos apoio, após a intervenção?

O segundo ponto refere-se à questão das armas de destruição maciça (ADM). Segundo me lembro (cito de memória), JPP escreveu um artigo de cartesiano rigor onde equacionava o problema, em várias hipóteses:

> 1.O Iraque tem ADM e os americanos, ao invadi-lo, vão encontrá-las e provar as suas razões.
> 2.O Iraque tem ADM, mas não vai ser possível encontrá-las (porque as destruiu, ou porque conseguem escamoteá-las).
> 3.O Iraque não tem ADM, mas havia fundados motivos para a comunidade internacional crer que as tinha.
> 4.O Iraque não tem ADM e os EUA (e outros) mentiram à comunidade interncional.

Acho que "deve" aos seus leitores explicitar qual é, hoje, a sua opinião, entre as 4 hipóteses que colocava.

(Luís Santos)
NOTA: Em textos anteriores já me pronunciei sobre estas questões com bastante desenvolvimento para esclarecer que a minha resposta à pergunta sobre as ADM está entre 2 e 3. Chirac, Putin e os responsáveis da ONU, nenhum deles suspeito de simpatia pela política americana, também pensavam que existiam ADM. Não há provas quanto ao ponto 4, a mentira deliberada, por muito que isso contrarie a fúria anti-Bush e anti-Blair.

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Porque é que diz que "os EUA estão hoje mais protegidos do que a Europa de riscos terroristas"?

(berta maia)

NOTA: Existe um consenso entre os responsáveis por questões de segurança que as medidas tomadas para garantir a "segurança interna" dos EUA, drásticas e controversas, melhoraram significativamente o controle de fronteiras e o policiamento de locais que possam servir de alvo a tentados terroristas. Isto não significa, como é obvio, que eles não aconteçam. Na Europa, a situação varia de país para país, mas é considerada mais frágil.
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Ao ler "As suas razões pró-americanas", não posso resistir ao impulso de lhe escrever para discordar de si e apontar alguns argumentos que fundamentam a minha posição nessa matéria. Tenho 75 anos. Bem me lembro do tempo em que por compaixão para com o drama dos judeus nos campos de concentração, lia comovidamente tudo quanto se publicava na altura sobre o assunto.

Do mesmo modo e pelas mesmas razões, devorei toda a literatura publicada sobre a odisseia dos judeus, em busca da "terra prometida" e consequente elegia o seu braço armado e celebre "haganah", como expressão de um forma justa de resolver o problema desses desgraçados que tinham perdido todas as suas raízes, em consequência da barbárie nazi.

Ainda me lembro vagamente de se terem feito esforços pelos aliados, para colocar essas vitimas em terras da África do Sul, creio que na zona anteriormente ocupadas pelo "boers". Hoje o holocausto já me enjoa, pela repetição, pelos exageros, pela injustiça feita aos comunistas, ciganos, homossexuais e outras minorias que também são ou deveriam ser, referenciados nessa hecatombe humana mas e sobretudo, pela tentativa de manipular as consciências que lhe está subjacente. Quem como eu, assim pensava e hoje acha que a criação de Israel foi um tremendo erro, só pode acusar a manipulação de que foi vitima, de responsável por essa drástica evolução.

Você é bastante mais novo do que eu, mais culto, naturalmente mais inteligente.
Por tudo isso, tem a obrigação de perceber que a causa principal do que se está a passar no Médio Oriente deriva da violência, da crueldade, da indignidade como os judeus estão a tratar os palestinos, para consolidar o roubo das terras que já não lhes pertencia há milhares de anos.

Não fora o poder económico mundial dos judeus, não fora a influência dos judeus no governo norte-americano, não fora o Ocidente ter nessa altura necessidade de uma testa de ponte naquela área, para defender os seus interesses petrolíferos, jamais estes problemas se colocariam. O tempo tem se encarregado de levar estes factos, que ferem a consciência dos seres humanos, a tornar odioso não só o comportamento dos judeus, como o ostensivo, escandaloso e a mais das vezes unilateral apoio dos Estados Unidos da América. Já estamos num estágio em que, desejamos subconscientemente que mais americanos sejam mortos. E o pior, é que isso já não afecta a consciência ou a religiosidade de uma grande maioria. Isto também é um horror!!!!

A consequência é que, "o saber de experiência feito" diz-nos, que só assim será possível o povo americano abrir os olhos e obrigar o seu governo a alterar a situação.
Como não há solução para o terrorismo, sem solução do conflito Israel/Palestino, tudo o mais é paisagem.
Pode você iludir-se e tentar iludir quem o ouve ou lê, com as bondades dos americanos, esquecendo que a "american way of life" é irrepetível em qualquer outro lugar do mundo, sem um volume de exploração dos povos, semelhante ao que os americanos praticam.
Fale da globalização, sem explicar de verdade a quem ela beneficia e a quem ela prejudica.
Fale do conforto que sente em ter evoluído politicamente num sentido que lhe permitirá agora a vida gozar e olhar para a invasão do Iraque, do Afeganistão etc.,, etc com o ar displicente, analisando as coisas da vida com uma falsa consciência tranquila.
Contrariamente, eu e muitos, muitos outros como eu, sofremos diariamente no âmago do nosso ser, a revolta de vivermos uma época em que se podem praticar impunemente, violências desta dimensão. Ver a humanidade ser marginalizada e manipulada consoante os interesses do Capital.
Ver os recursos das classes dominantes aumentarem desmesuradamente em paralelo com o aumento da miséria das classes exploradas. Ver a cantada "eternidade" da terra, limitada pela ambição de uns quantos e a criminosa neutralidade de intelectuais "vendilhões do templo". A esperança que temos é sabermos que este tipo de preocupações e indignação deixou de ser individual e se tornará geracional, dada a velocidade a que o desenvolvimento histórico e a consciência das massas se está a processar . Para terminar, acho que senhor escapou por pouco, de ser obrigado a manter a coerência da sua juventude, se por azar seu, tivesse nascido mais tarde. Era fatal É dialéctico.

(Juvenal Lucas)

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